Vale à pena migrar de DSLR para astro-mono-camera ?

Postado por jsmoraes jsmoraes
Opções
É normal que após alguns anos de fotografia com DSLR haja uma certa vontade de ter melhores imagens e cores, e a migração para asrtro-camera se torna uma atração.

Não vou abordar sobre a diferença de preço entre uma DSLR e uma câmera dedicada para astrofotografia. Embora seja a primeira grande barreira que se encontra nesta migração.

Se nos basearmos pelos data-sheets, reviews técnicos e comentários ficamos altamente induzidos à mudança. Maravilhas normalmente são ditas. Testemunhos pessoais de felicidade e referencia à maravilhosas fotos nos deixam ansiosos pela migração.

Entretanto nem tudo é paraíso. E muitas informações são omitidas, intencionalmente ou não.

De primeiro temos o fato de que as câmeras dedicadas tendem a ser mais sensíveis e podem criar obstáculos de seu uso se o a óptica ou a qualidade da atmosfera não forem compatíveis. Atualmente faço uma boa comparação com telescópios de abertura de 14 ou 16 polegadas. Se eles captam mais informação dos objetos do céu, também captam mais informação das imperfeições e distorções causada pela atmosfera. E podem ter seu uso restrito à somente alguns dias especiais ou lugares especiais.

Segundo, temos o fato de que as câmeras dedicadas trabalham com ganho e offset, que são fixos e padronizados nas DSLRs. Encontrar os valores adequados para uma boa captura pode levar algum tempo. Muitos documentos e declarações pessoais,  normalmente muito contraditórios entre si, somente falam baseado nas características dos sensores e respostas da eletrônica da câmera. Nunca consideram a poluição luminosa e nem o brilho natural do céu que o seu lugar de observação possui.

O montante de informações técnicas sobre a resposta do sensor e câmera somente servem como orientação básica, e só podem ser aplicados com rigor se você estiver com condições especiais de lugar e céu. De forma cômica eu diria sentado no telescópio Hubble ou nos lugares onde se encontram os observatórios terrestres profissionais.

As dicas de uso pessoal em muitas declarações também são muito suspeitas. Pois além de terem sido obtidas em determinados e específicos lugares de observação, também estão contaminados por intensa prática mística sobre alguns parâmetros técnicos das câmeras.

De uma forma simples e objetiva eu diria que quanto maior ganho, menos dynamic range (captação de diferenças entre os sinais de fraca intensidade).  Offset ajuda a eliminar ruídos produzidos pelo sensor e eletrônica da câmera. E tem que ter valor suficiente para que o somatório destes ruídos mais os sinais fracos não tenham resultado menor que zero, ou seja negativo.
Os conversores Analógico/Digital (ADUs) não trabalham com valores negativos, e clipariam estas informações, tornando-as em valor zero: negro absoluto.

Offset também ajuda a evitar que ruídos produzidos pela atmosfera causem os mesmos danos que os ruídos da câmera.

Portanto offset não é absoluto e crítico se ele tiver um valor que não deixem os sinais fracos serem clipados, zerados como negro absoluto. O seu excesso pode ser muito bem manipulado com ajuste de level no processamento gráfico.
Certamente que se eles forem muito alto reduzirão o range do sinal dos objetos, já que as câmera tem valores limites de informação. Num exemplo grotesco eu diria que se offset for colocado para que seu sinal comece em 32000 ADUs, só te sobrariam 32000 ADUs de sinal até chegar aos máximos 64000 ADUs. Isto significa que haveria uma compressão das informações e com isto uma redução na separação das pequenas diferenças dos sinais. Um valor entre 100 e 500 ADUs parece ser bem plausível para evitar clipagens.

Terceiro, parcialmente já mencionado acima no item primeiro, está a qualidade da sua óptica. Não somente quanto ao coma, astigmatismo e colimação. Mas principalmente quanto a qualquer flexão produzida pelo tubo ou pelos acessórios.

Dentre eles o principal criminoso seria o seu focalizador, que possui anéis internos para fixação dos periféricos.

Como o conjunto câmera e acessórios tais como roda de filtro, OAG e corretor de coma, ficam bem pesados é necessário que haja uma fixação bem firme, e com isto uma maior influência dos apertos dos parafusos e a consequente flexão.

No meu caso, eu sofri muito com isto, e só tive redução desta influência ajustando a posição do conjunto câmera-acessórios de tal forma que pudesse tê-los encostados na superfície do focalizador. Este contato físico forçado permite que se aperte os parafusos de fixação sem que haja significativa flexão.

A flexão fará com que as estrelas deixem de serem redondas e ficarão com deformações que podem se apresentar como triangular ou tipo gota d'água, devido a incidência inclinada da luz no sensor da câmera.

Em quarto temos o fator tempo de exposição. Nas DSLRs, e modelos color, capturamos todas as cores ao mesmo tempo. Portanto 10 minutos de exposição total estaria mais para 40 minutos reais, já que temos 2 G, 1 R e 1 B.

Por isto apesar de astro-câmera ser mais sensível, teríamos um tempo de exposição total mais longo já que trabalhamos com 4 filtros: LRGB.

O tempo de exposição para cada filtro tende à ser menor do que nas DSLRs, por exemplo: se normalmente eu utilizo frames com 2 à 4 minutos na DSLR, na mono câmera eu uso frames com 1 à 2 minutos. Lógico que este tempo depende do ganho utilizado. Na prática será o histograma que definirá, após escolha do ganho para efeito de dynamic range, o tempo de exposição. Não podemos ter sinais estourados em 64000 ADUs, quando teríamos saturação (clipagem) de valores em branco total.

A escolha do ganho depende do tipo de objeto que você está interessado. Nebulosas e galáxias precisam de maior dynamic range. Aglomerados ou áreas sem nebulosas não precisam de tanto dynamic range, e precisam de sensibilidade (ou amplificação - ganho) para captura de estrelas fracas, de fundo.

E por ultimo temos o problema do foco. As mono câmeras são muito sensíveis á perda de foco por vários fatores.
Um deles é que de fato elas possuem maior quantidade reais de pixeis, já que não são divididos em 2G 1R 1B.
Outro seria o fato de que não sendo color não fazem uso do algoritmo de debayer, onde píxeis adjacentess são utilizados para montar o valor final da região destes pixeis.

Portanto, variações no foco devido à temperatura, alteração da óptica devido à posição dos espelhos com a movimentação natural do telescópio, e a qualidade da atmosfera (refração) são constantes e percebidas pela mono-câmera. Uma constante supervisão e re-focalização se torna necessária.

Como os filtros não são absolutamente parfocais, sua mudança também implica na revisão da focagem.

O desalinhamento da posição dos objetos capturados devido à estas constantes intervenções pelo foco não será grande problema, já que é obrigatório efetuar o alinhamento manual dos canais durante o processamento gráfico.

Como visto, migrar para astro-mono camera pode ser um esforço frustrante. A seção se torna mais demorada. Pequenas falhas de focagem podem aniquilar seu trabalho. E a qualidade da atmosfera pode também aniquilar seu trabalho: estava ótima no começo e piorou um pouco... só que este pouco matou a qualidade do formato das estrelas. E isto forçosamente irá gerar halos de cor na periferia das estrelas após o processamento. Lembre-se não há debayer com estas câmeras.

Há uma grande vantagem nas câmeras dedicadas, que normalmente são refrigeradas. Apesar de serem mais ruidosas que as DSLRs, a baixa temperatura ( 0 graus C ou menos) permitem fotos mais limpas, evitando uso de filtros anti-ruídos no processamento. O que deixa a foto com uma aparência bem mais natural e real.

Conclusão:
Migrar de DSLR para astro-camera não é só uma questão de quanto se irá gastar. Envolve a consciência de que o trabalho de captura será bem mais intenso e crítico. Haverá muitas perdas de frames. E nem sempre aquela câmera maravilhosa poderá ser utilizada em qualquer dia ou lugar de trabalho. Pode ser de fato uma grande perda de dinheiro !

A qualidade da atmosfera é fundamental e crítica. Sendo as mono-câmeras mais sensíveis, elas capturam qualquer reflexo de luminosidade proveniente da poluição luminosa em finas, tênues  e pequenas nebulosidades que se formam ao longo da noite em áreas do campo visível. E com isto a perda de frames.

Se você pensa em migrar... migre. Mas tenha consciência que pode ser perda de dinheiro ou motivo de grande frustração.
A escolha da câmera deve tomar em conta a qualidade da sua óptica e atmosfera. Aquela maravilhosa câmera pode ter uso proibido devido à estes fatores.